25 DE ABRIL. O DILEMA DO PRISIONEIRO:
Resistir ou colaborar, o que fazer?



Imagina-te no papel de um líder estudantil. Em 12 de Outubro de 1972 estás numa reunião, na Faculdade de Ciências Económicas e Financeiras de Lisboa, junto com outros camaradas de luta. Agentes da PIDE invadem a sala de pistola na mão. Após a luta corpo a corpo e um estudante assassinado, és detido e segues para o forte de caxias juntamente com um outro camarada.

Tu e o teu camarada serão isolados e torturados. A polícia quer informações da vossa organização clandestina e provas para vos julgar e condenar a uma pena prolongada de prisão.


a) Se denunciares o outro prisioneiro deixarás de ser torturado e ficarás imediatamente livre; o outro prisioneiro será torturado e condenado a 15 anos de prisão.

b) Se o outro prisioneiro te denunciar, sofrerás mais torturas e uma pena de prisão de 15 anos; ele ficará imediatamente livre.

c) Se se denunciarem mutuamente, ambos sofrerão tortura e uma pena de prisão de 9 anos.

d) Se ambos resistirem e não denunciarem ninguém, sofrerão tortura e somente 1 ano de prisão.


Ele resiste
Ele denuncia
Eu resisto
1 ano - 1 ano
15 anos - livre
Eu denuncio
livre - 15anos
9 anos - 9anos



Nas aulas de Formação Cívica poderás jogar e discutir qual as melhores estratégias de jogo; não esquecer o dilema ético: altruísmo ou egoísmo.

1. Para jogares, e porque este é um jogo do tipo «soma zero» será concedido a todos os jogadores o montante de 68 pontos. Cada ponto é 1 ano de vida; cada jogador tem, à partida, 68 anos de vida.

2. Em simultâneo, cada jogador toma a sua decisão de resistir ou denunciar, sem que ninguém saiba. Deve-se escrever a «decisão» num pedaço de papel e dobrá-lo.

3. Quando as «decisões» forem divulgadas serão atribuídas penas de prisão consoante os valores do quadro de cima. A cada ano de prisão corresponde 1 ponto perdido.

A partir daqui podes fazer uma única partida ou, pelo contrário, as inúmeras partidas que uma aula de 45 minutos permita.



nota:
Os 68 pontos jogáveis estão relacionados com a esperança média de vida dos portugueses em 1972 que era aproximadamente de 68 anos.






O dilema do prisioneiro foi apresentado pela primeira vez na Universidade de Princeton em 1950, como um exemplo da teoria dos jogos, pelo cientista Albert Tucker.
12 de Outubro de 1972: O estudante de engenharia Ribeiro Santos é assassinado pelo agente da Pide, Gomes da Rocha, no Anfiteatro do ISCEF. O actual deputado José Lamego em luta com quem disparava ficou ferido numa perna. In Jorge Costa, O ano da morte de Ribeiro Santos, História, nº49, 2002.












25 DE ABRIL. MEMÓRIA DA LUTA POLÍTICA
Polícia política, tortura e luta política.





Para além da lógica parodoxal do dilema de um prisioneiro interessa-nos conciliar o registo histórico com a sensibilização de alunos do 3º Ciclo para as dificuldades próprias da luta anti-fascista em condições de tortura física. A um prisioneiro da PIDE/DGS colocava-se um dilema: resistir e sofrer ou colaborar e denunciar.

Utilizamos excertos da informação factual colectada por Christopher Reed e rectificada por Fernando Vicente.





"My Journey to Caxias: How the CIA Taught the Portuguese to Torture" é um artigo do jornalista Christopher Reed, correspondente do London Guardian em Portugal entre 1974 e 1976. Publicado em Maio de 2004 descreve sumariamente os aspectos mais operacionais dos métodos de tortura utilizados pela PIDE/DGS.

Fernando Vicente. Violentamente torturado pela PIDE, foi submetido à tortura do sono durante 31 dias (31 dias e noites em 33 dias de calendário). Ex-membro do Comité Central do PCP, organizador da Festa do Avante, tem de 63 anos.






A Polícia Internacional de Defesa do Estado [PIDE] utilizava as mais recentes técnicas de coerção — concebidas pela US Central Intelligence Agency [CIA].

O ponto central da tortura era a privação do sono, uma nova descoberta guardada num manual secreto com 128 páginas produzido pela CIA em Julho de 1963 e denominado Kubark Counterintelligence Interrogation. Ver em www.kimsoft.com/2000/kubark.htm

O capítulo nove do Kubark, intitulado "Interrogatório coercivo de fontes resistentes pela contra-inteligência" (Coercive Counterintelligence Interrogation of Resistant Sources), recomenda a privação do sono e a privação sensorial a fim de produzir a "síndrome DDD" de "debilidade, dependência e medo" ("debility, dependence, and dread") nos "interrogados" (observe-se a desumanização desta palavra). As vítimas podiam ser reduzidas à submissão numa questão de horas ou dias, dizia-se ali, mas advertia-se a seguir contra "aplicações duras que ultrapassam o ponto dos danos psicológicos irreversíveis".

Cumprindo as recomendações do manual, as células à prova de som da PIDE não continham distracções. As paredes e os tectos eram brancos mas permaneciam marcas arranhadas — eram fontes excelentes para estimular as alucinações que os prisioneiros experimentavam após os primeiros poucos dias sem sono. A iluminação, como o Kubark recomendava, era fraca, artificial, e a sua fonte invisível. Enormes aparelhos escondidos de ar condicionado-aquecimento podiam em minutos tornar a temperatura da sala fria como o gelo ou ardente como o deserto.

O mobiliário, principalmente uma mesa e umas poucas cadeiras, era protegido nas pontas para impedir os prisioneiros de se tentarem matar chocando a cabeça contra os mesmos, como fizeram alguns. Os tectos da cela tinham alto-falantes que difundiam sons ruidosos e terrificantes, ou por vezes os choros e soluços das suas esposas ou filhos.

As refeições eram servidas aleatoriamente, de modo deliberado. Um aparente pequeno-almoço podia chegar às 16 horas; o jantar à meio da noite. Não eram permitidos relógios. As células não tinham camas. O record de privação de sono de um prisioneiro foi de um jovem engenheiro, um comunista, mantido desperto durante um mês. Ele cometeu o suicídio após a sua libertação.

Em tempos mais antigos a Pide foi famosa pela brutalidade da tortura. Mas isto foi suavizado com os seus benevolentes guias da CIA: a violência era evitada. Eu vi um relatório sobre um responsável da Pide rebaixado por bater num prisioneiro, renovando assim a sua resistência. Como diz o Kubark-CIA: "A brutalidade física directa apenas cria ressentimento, hostilidade, e mais desafio". O relato sobre o responsável da Pide queixava-se de que a sua violência havia "atrasado o tratamento".


[Perante a violência, inúmeros prisioneiros quebravam as suas resistências e denunciavam os seus companheiros de luta, iniciando-se uma mais que provável colaboração com a polícia política...] Muitos prisioneiros [quando] libertados, especialmente os comunistas — considerados como os mais difíceis de quebrar — não voltavam para casa. Ao invés disso afastavam-se das suas famílias, conseguiam um emprego simples, ou caiam no alcoolismo, até mudavam de nomes; tais eram as suas novas vidas como zombies mentais.

[ REED, Christopher - My Journey to Caxias: How the CIA Taught the Portuguese to Torture. s.l. : counterpunch.org. 2004
resumo, tabulação e negrito no texto por Geografismos ]









"Havia uma certa dose de romantismo e de aventura que desaparecia na manhã em que te batiam à porta com altos brados e clamavam sem se identificarem, te reclamavam com olhares de ódio, não de quem cumpria ordens, mas de quem odiava de facto o mundo. Batiam à porta com ponta-pés e coronhadas até a aventura se esvair."

[ DIONÍSIO, Eduarda - Retrato dum amigo enquanto falo. Lisboa : Quimera. 1988
resumo, tabulação e negrito no texto por Geografismos ]







nota do geografismos:
O engenheiro sujeito a tortura do sono mencionado pelo jornalista Christopher Reed é Fernando Vicente. Violentamente torturado pela PIDE, foi submetido à tortura do sono durante 31 dias (31 dias e noites em 33 dias de calendário).
Contudo Fernando Vicente não se suicidou. Ex-membro do Comité Central do PCP, tem actualmente 63 anos. A sua situação, testemunhada por Reed em «My Journey to Caxias: How the CIA Taught the Portuguese to Torture», artigo supracitado, suscita-lhe algumas correcções factuais que podem ser lidas em http://resistir.info/portugal/caxias.html#nota.

O manual Kubark, foi desclassificado em 1997 por iniciativa do jornal Baltimore Sun e ao abrigo da lei americana Freedom of Information Act.